segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Viuvez



Você foi embora e eu não pude me despedir.
Ah! Se soubesse que iria partir.
Se soubesse ser aquele o último encontro, o último abraço.
Teria apertado mais um pouco, beijado mais outras vezes.
Meu Deus! Como conviver com sua ausência?
Tentei enganar a solidão e a saudade, dizendo a elas que foi só uma viagem.
Não disse a ninguém sobre sua partida, preferi acreditar nessa mentira.
Estou aguardando o dia do retorno.
Entrego-me aos prantos todos os dias. 
Já não sei viver sem lágrimas ou dor.
A saudade é tanta que destrói. 
Não sobrou nada desde que você se foi.
Quanto mais afirmo: “vai voltar, vai voltar, tá viajando”, mais acredito nessa verdade inventada.
Não posso me conformar com esse destino!
Nego, até que seja verdade o seu retorno.
Sei não ser possível isso, mas não vou desistir.
Prefiro a loucura dessa crença, a morrer em vida, sem você.
Acreditarei em seu retorno, até o regresso.
Outra coisa a Deus não peço: leve-me, também!
Aqui é lugar inabitável sem você!
Não vivi a vida desde que partiu.
Quem dera pudesse ir junto, pouparia dias sem fome, sono ou vontade de viver.
Ninguém sabe o que é viver assim. 
Tantos anos juntos e agora isso.
Que seja breve a vida, para que possa rever você.
Não me importo com os demais
sua partida é tudo o que vejo
e a morte: desejo!

Ana Paixão, em voz emprestada a viúva em luto pela partida inesperada do marido.

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Mobília destroçada


o grito

No fundo do abismo
Existe um arco-íris
Sem cor.
Lá, transitam pássaros sem asas.
Voam a pé
Na imaginação do nada.
Escuro, sombrio, gelado.
Ouço gritos entoados
No escuro.
Não vejo nada, além da dor.
Pode ser que exista amor em algum lado,
Não aqui.
Onde a brisa é vento, furacão.
Há lágrimas secas, que não descem, petrificam no chão.
Lá fora tudo é cor. Não há espaço para o cinza.
Mãos na cabeça, a segurar o desespero da incerteza de não saber quem sou.
Ninguém habita esse lugar. Não há vida, água, sol ou luz.
É possível ver pela janela, não há janelas, um raio de dor.
Todos desconhecem o que se passa por aqui.
O escuro dá medo, mas conforta. É conhecido.
Estar nesse lugar é casa. Morada de vários nadas. Muitas temporadas.
Não tem permissão para entrar aquele que nunca esteve por aqui.
Só entende a mobília destroçada, a alma angustiada.
Existe amor lá fora, mas, aqui, não há existência, sobrevivência.
No umbral das almas perdidas, há mais sinceridade do que dor.
Na festa dos sorrisos esbranquiçados, falsidade, não há verdade.
Só entende quem sofre. Favor não forçar a entrada.
Respeitar a dor é acolher o sofredor.

Ana Paixão, voz emprestada a todos aqueles que sofrem.